Todos nós sabemos que a
infância é uma fase do desenvolvimento muito importante e que merece atenção
especial dos pais e profissionais da saúde, pois é nela que a criança inicia o
conhecimento do mundo ao seu redor e começa a formar sua personalidade e
construir sua subjetividade.
Neste período
percebemos muitas mudanças significativas no corpo e na mente das crianças, mas
sabemos que cada criança terá seu tempo de maturação física e psíquica, e que
esta diferença precisa ser respeitada. Algumas crianças começam a andar e falar
antes do primeiro ano de vida, outras demorarão um pouco mais. Também existem
crianças que apesar de certa dificuldade no desenvolvimento do campo motor e da
fala, conseguem por outro lado perceber muito facilmente as coisas e se
expressar de outras formas, mostrando que têm um excelente desenvolvimento em
suas funções mentais e psíquicas.
Além da predisposição
inata da criança para seu desenvolvimento, o ambiente tem papel fundamental
neste percurso. Se as pessoas que estão ao redor da criança, como mãe, pai,
avó, tios e babá, oferecerem estímulos para a criança, ela se desenvolverá com
mais facilidade. Por outro lado, se a criança for estimulada em excesso ou não
for estimulada, poderá desenvolver problemas para o futuro.
O que está acontecendo atualmente
é o fato de que a infância está sendo muito mais visada por estudos e
pesquisas, e esta diferença entre as crianças e seu tempo próprio de
desenvolvimento estão se tornando objeto de preocupação por parte dos
profissionais da área de saúde, principalmente médicos - pediatras,
neuropediatras e psiquiatras infantis.
Com o surgimento do DSM
(Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), que já está em sua
quinta edição, novos procedimentos diagnósticos aparecem como referência, e a
medicação passa a ser utilizada como forma prioritária de intervenção
terapêutica na atualidade, associada a procedimentos diagnósticos descritivos.
Qualquer diferença mais
acentuada entre uma criança e outra já é motivo de alarde para que se tome uma
providência e não se permita um atraso no desenvolvimento da criança.
Os pais tem suas
preocupações com o desenvolvimento dos filhos, e quando buscam um médico na
tentativa de entender o que está acontecendo, deparam-se muitas vezes com
diagnósticos taxativos de transtornos e síndromes que passam a representar o
sujeito. Nestes casos, a psicopatologia transforma-se numa etiqueta que
acompanhará a criança para o resto de sua vida, a impedindo de ser sujeito e
construtor de sua própria identidade.
Está havendo na
psiquiatria contemporânea uma certa naturalização do fenômeno humano e uma
subordinação do sujeito à bioquímica cerebral, somente regulável pelo uso de remédios.
Na lógica de construção diagnóstica, o remédio participa da nomeação do
transtorno.
O uso indiscriminado do
DSM permite e provoca diagnósticos padronizados, uma clínica centrada no
diagnóstico e a redução de um sujeito a um transtorno com sinais e sintomas
previstos.
É necessário entender
que o diagnóstico tem incidência direta na vida dos pais e no modo de lidar com
seus filhos, além de atingir diretamente a subjetividade da criança. Não é uma
questão de extinguir o diagnóstico, pois ele é de extrema importância para o
tratamento e cuidado da criança em sofrimento. O que se pode fazer é entender o
diagnóstico inserido em um contexto, onde sinais e sintomas são singulares em
cada indivíduo, sendo apenas um sinal de alerta, um pedido simbólico de cuidado.
A medicalização - ato
indiscriminado de medicar fenômenos puramente humanos, inclusive infantis -
está tomando proporções alarmantes na sociedade contemporânea, onde os
transtornos são explicados através da questão orgânica e as entidades
psicopatológicas são usadas como consistentes descrições de si e do outro.
Assim, nós
profissionais da área psi, precisamos nos dar conta do que está por vir com
esta enxurrada de diagnósticos e medicalizações, principalmente na infância, e
atuarmos de forma ética na tentativa de flexibilizar a normatividade,
entendermos o sentido do sintoma para a vida de cada sujeito e desconstruirmos
a ideia de diagnóstico como marca identitária.
A psicanálise surge
como uma ferramenta de resistência, um saber que produz teorias sobre o
singular e que oferece alternativas discursivas para a patologia, livres da
normalização, diferenciando a perspectiva do cuidado da perspectiva de cura.
Se pensarmos que os
diagnósticos, as medicações e o DSM são instrumentos de uma clínica psicodinâmica,
poderemos avançar de forma plural e ética no sentido de ampliarmos as
possibilidades para este sujeito e sua família. A criança precisa de um
investimento psíquico dos que estão a sua volta e ter seu tempo respeitado para
que possa se desenvolver.
Se conseguirmos cuidar
a tempo do que não vai bem, de forma sutil e acolhedora, longe dos rótulos de
um diagnóstico pautado em classificações maciças, poderemos oferecer uma gama
de possibilidades de desenvolvimento para esta criança, respeitando sua singularidade
e permitindo seu surgimento enquanto sujeito.
Elaine Carneiro
Referências
e sugestões de leitura: