segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

ANÁLISE DE UM CASO CLÍNICO: O AVIADOR




            O filme "O aviador" é uma biografia sofisticada do milionário Howard Hughes, um milionário excêntrico que foi pioneiro da aviação e do cinema. O personagem é apresentado com fluidez, tendo sua vida apresentada desde a infância até a idade adulta. As mãos terão um papel importante no filme: do toque amoroso de Howard em seus aviões à aversão do contato manual para evitar contaminações, e à mania de lavá-las continuamente, numa progressão do transtorno que o leva à repetição sem controle das frases e à reclusão.

            Faremos aqui uma breve discussão sobre as estruturas de personalidade neurótica e psicótica para que possamos elucidar o diagnóstico diferencial do personagem Howard Hughes. A questão levantada busca identificar qual dessas estruturas representa o personagem e se o mesmo desenvolveu TOC ou uma Psicose. Para isso tomaremos como base fundamentos psicanalíticos.

HIPÓTESE DIAGNÓSTICA:

            A busca do diagnóstico se dá no registro do simbólico do sujeito, onde estão articuladas suas questões fundamentais. A estrutura do sujeito é constituída na sua passagem pelo complexo de Édipo, em que há a inscrição do Nome-do-pai, do Outro que representa a lei, na relação do sujeito com o mundo, e diz não à sua submissão total ao desejo materno, permitindo a produção de uma significação fálica para o sujeito barrado pela falta.
            É através da cena edípica que o sujeito vai se estruturar e organizar o seu viver, sobretudo em torno de seu posicionamento diante da angústia de castração, na maneira como ela se posiciona diante do outro.

            O sujeito ao passar pelo complexo de Édipo, pode recalcar, desmentir ou foracluir a angústia da castração. O neurótico recalca sua angústia que retorna no símbolo sobre forma de sintoma, ou outras manifestações do inconsciente. Já para o psicótico, a castração não existe e há uma cisão com a realidade e  com as barreiras do limite entre o sujeito e o outro.

            “O que marca a diferença entre a psicose e a neurose é que a realidade rejeitada (foracluída ou recaldada), retorna o tempo todo no real na psicose para tentar organizar o psiquismo no sujeito”.

            Durante o filme “O Aviador”, em uma cena bem curiosa, Howard recebe uma refeição. A disposição dos alimentos no prato é a seguinte: um pedaço de carne e três colunas de ervilha dispostas de forma simétrica, evidenciando assim sua obsessão pela ordem. Quando um colega de mesa resolve “roubar” uma ervilha de seu prato, desorganizando a simetria dos alimentos, Howard se mostra claramente desconfortável com a situação, chegando a abandonar a refeição. Ele perde completamente a concentração na conversa e sua única preocupação é com a “desordem” causada pelo colega.

            Após essa cena, é possível ver que o personagem mostra uma preocupação com a contaminação. A preocupação é tanta que o impede de entregar uma toalha a um homem necessitado. Howard parece ter apenas uma ideia perseverante na sua mente: "suas mãos estão sujas!”. Esta ideia é tão persistente e desagradável que a única forma de se livrar dela é lavando insistentemente as mãos. Os atos compulsivos são formas de aliviar a tensão, mesmo que temporariamente, causada pelas ideias obsessivas recorrentes. Ao final dessa seqüência, mais uma idéia obsessiva lhe invade a mente: “a porta esta contaminada!”. Sem ter formas de se proteger daquilo, sua única alternativa é a de esperar que alguém abra a porta para que ele possa sair.

            Todas essas cenas apontam para uma possível fobia aos germes, que o levou a um esgotamento nervoso. Isso ocorreu provavelmente, pelo fato de sua mãe sofrer de microfobia (medo de objetos pequenos; terror aos micróbios) e superprotegê-lo durante a infância, chegando a isolá-lo por medo de contrair enfermidades ou doenças contagiosas e enfatizava: “você não esta seguro”. Por conta disso, Howard cresceu com uma visão deturpada do mundo exterior, desenvolvendo a mesma fobia na idade adulta.

            Pudemos perceber que em todas as situações onde há forte pressão ou cobranças dirigidas a Howard ele reage de forma específica, utilizando-se de mecanismos para aliviar a tensão. O personagem lava as mãos compulsivamente ate achar que estão completamente livres de micróbios e chega a isolar alguns objetos para evitar a contaminação.

            Diante de situações extremas que lhe fogem o controle, Howard recorria ao isolamento para retomar o controle. Em uma situação no filme, ele se tranca no carro depois de repetir compulsivamente: “quero ver os projetos!” e só consegue se acalmar ao soletrar a palavra “Quarentena”. Essa palavra tem um significado marcante na vida desse personagem, pois o mesmo acredita que o mundo é uma verdadeira ameaça  de contaminação e que ele nunca estará seguro. Com esse pensamento Howard não tem alternativa quando se sente ameaçado, a não ser a reclusão.

            Clinicamente, podemos dizer que as neuroses diferenciam-se das psicoses pelo grau de envolvimento da personalidade, sendo sua desorganização e desagregação muito mais pronunciadas nas psicoses, onde o vínculo é muito mais tênue e frágil.

            Nas psicoses, alguns aspectos da realidade são negados e substituídos por concepções particulares e peculiares que tendem unicamente as características da doença. A sintomatologia psicótica se caracteriza, principalmente, pelas alterações a nível do pensamento e da afinidade e conseqüentemente, todo comportamento e toda performance existencial do sujeito serão comprometidos. O processo psicótico impõe ao paciente uma forma patológica de representar a realidade e de elaborar conceitos. Instalam-se aqui alterações qualitativas, um algo essencial patológico e sofrível.

            Concluímos, portanto, que provavelmente o personagem Howard Hughes tem uma estrutura de personalidade psicótica. A onipotência do personagem demonstrada no filme é utilizada na criação de outra realidade, eliminando assim a realidade que é frustrante. Ou seja, diante do exposto nas cenas do filme e da análise sobre as estruturas de personalidade, acreditamos que os sintomas obsessivos e compulsivos são apenas formas que o personagem encontrou de organizar o mundo para que ele possa sobreviver. Estes atos compulsivos apenas completam as necessidades básicas do ser humano para a segurança, já que houve um “ não atravessamento pela fase edípica”. Isto fica evidenciado na relação mãe-filho representada no início do filme, uma relação simbiótica e superprotetora.

            O personagem também apresenta características perfeccionistas. Todos os seus feitos deveriam ser perfeitos e melhores que os já existentes. Não possuía muito senso crítico quanto aos gastos e a dificuldade de se produzir algo tão grandioso.

            Em relação a seus relacionamentos amorosos podemos afirmar que eram no mínimo excêntricos. Com o fim do seu primeiro casamento, o desequilíbrio emocional foi tanto que Howard chegou a queimar toda a roupa que possuía inclusive a que estava vestindo, logo depois ligou para um funcionário pela madrugada pedindo para que ele comprasse umas roupas; nesta ligação, o personagem demonstrou estar completamente desorganizado, desorientado, desequilibrado. Em outro relacionamento, Howard chegou a deixar um carro vigiando sua casa 24h e espalhar escutas pela casa, pois achava que estava sendo perseguido e que estavam armando contra ele.

            Há cenas do filme em que ele se isola completamente, por medo de contaminação, passando dias trancados com pensamentos persistentes e um enorme descuido com a higiene pessoal.

            Por fim, o personagem parece, na última cena do filme, ter a idéia de que está sendo perseguido. Em determinado momento questiona sobre as pessoas que ele suspeita estarem observando-o, com perguntas do tipo: “eles trabalham para mim?”. Logo depois encontra-se como se estivesse bloqueado (impossibilitado de raciocinar e dar continuidade), e como um disco arranhado, passa a repetir uma determinada frase de forma quase automática: “eles são o futuro, eles são o futuro...!”. É levado por dois amigos até o banheiro, até que eles chamem o médico. Nesse local ele tem alucinações e escuta sua mãe dizer: "você não esta seguro!” Então, começa a ver a uma imagem de sua infância, quando sua mãe estava lhe dando banho, representando, neste momento, a instalação de um possível surto psicótico.


Elaine Carneiro e Leonardo Vasconcelos.



Referências

http://local.artigosinformativos.com.br/Analise_clinica_da_psicose_Planaltina_Goias-r1185390-Planaltina_GO.html


http://www.terra.com.br/istoegente/287/diversao_arte/cine_aviador.htm