segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Infância: "não quero diagnóstico, quero ser criança"

Todos nós sabemos que a infância é uma fase do desenvolvimento muito importante e que merece atenção especial dos pais e profissionais da saúde, pois é nela que a criança inicia o conhecimento do mundo ao seu redor e começa a formar sua personalidade e construir sua subjetividade.

Neste período percebemos muitas mudanças significativas no corpo e na mente das crianças, mas sabemos que cada criança terá seu tempo de maturação física e psíquica, e que esta diferença precisa ser respeitada. Algumas crianças começam a andar e falar antes do primeiro ano de vida, outras demorarão um pouco mais. Também existem crianças que apesar de certa dificuldade no desenvolvimento do campo motor e da fala, conseguem por outro lado perceber muito facilmente as coisas e se expressar de outras formas, mostrando que têm um excelente desenvolvimento em suas funções mentais e psíquicas.

Além da predisposição inata da criança para seu desenvolvimento, o ambiente tem papel fundamental neste percurso. Se as pessoas que estão ao redor da criança, como mãe, pai, avó, tios e babá, oferecerem estímulos para a criança, ela se desenvolverá com mais facilidade. Por outro lado, se a criança for estimulada em excesso ou não for estimulada, poderá desenvolver problemas para o futuro.

O que está acontecendo atualmente é o fato de que a infância está sendo muito mais visada por estudos e pesquisas, e esta diferença entre as crianças e seu tempo próprio de desenvolvimento estão se tornando objeto de preocupação por parte dos profissionais da área de saúde, principalmente médicos - pediatras, neuropediatras e psiquiatras infantis.

Com o surgimento do DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), que já está em sua quinta edição, novos procedimentos diagnósticos aparecem como referência, e a medicação passa a ser utilizada como forma prioritária de intervenção terapêutica na atualidade, associada a procedimentos diagnósticos descritivos.

Qualquer diferença mais acentuada entre uma criança e outra já é motivo de alarde para que se tome uma providência e não se permita um atraso no desenvolvimento da criança.

Os pais tem suas preocupações com o desenvolvimento dos filhos, e quando buscam um médico na tentativa de entender o que está acontecendo, deparam-se muitas vezes com diagnósticos taxativos de transtornos e síndromes que passam a representar o sujeito. Nestes casos, a psicopatologia transforma-se numa etiqueta que acompanhará a criança para o resto de sua vida, a impedindo de ser sujeito e construtor de sua própria identidade.

Está havendo na psiquiatria contemporânea uma certa naturalização do fenômeno humano e uma subordinação do sujeito à bioquímica cerebral, somente regulável pelo uso de remédios. Na lógica de construção diagnóstica, o remédio participa da nomeação do transtorno.

O uso indiscriminado do DSM permite e provoca diagnósticos padronizados, uma clínica centrada no diagnóstico e a redução de um sujeito a um transtorno com sinais e sintomas previstos.

É necessário entender que o diagnóstico tem incidência direta na vida dos pais e no modo de lidar com seus filhos, além de atingir diretamente a subjetividade da criança. Não é uma questão de extinguir o diagnóstico, pois ele é de extrema importância para o tratamento e cuidado da criança em sofrimento. O que se pode fazer é entender o diagnóstico inserido em um contexto, onde sinais e sintomas são singulares em cada indivíduo, sendo apenas um sinal de alerta, um pedido simbólico de cuidado.

A medicalização - ato indiscriminado de medicar fenômenos puramente humanos, inclusive infantis - está tomando proporções alarmantes na sociedade contemporânea, onde os transtornos são explicados através da questão orgânica e as entidades psicopatológicas são usadas como consistentes descrições de si e do outro.

Assim, nós profissionais da área psi, precisamos nos dar conta do que está por vir com esta enxurrada de diagnósticos e medicalizações, principalmente na infância, e atuarmos de forma ética na tentativa de flexibilizar a normatividade, entendermos o sentido do sintoma para a vida de cada sujeito e desconstruirmos a ideia de diagnóstico como marca identitária.

A psicanálise surge como uma ferramenta de resistência, um saber que produz teorias sobre o singular e que oferece alternativas discursivas para a patologia, livres da normalização, diferenciando a perspectiva do cuidado da perspectiva de cura.

Se pensarmos que os diagnósticos, as medicações e o DSM são instrumentos de uma clínica psicodinâmica, poderemos avançar de forma plural e ética no sentido de ampliarmos as possibilidades para este sujeito e sua família. A criança precisa de um investimento psíquico dos que estão a sua volta e ter seu tempo respeitado para que possa se desenvolver.

Se conseguirmos cuidar a tempo do que não vai bem, de forma sutil e acolhedora, longe dos rótulos de um diagnóstico pautado em classificações maciças, poderemos oferecer uma gama de possibilidades de desenvolvimento para esta criança, respeitando sua singularidade e permitindo seu surgimento enquanto sujeito. 

Elaine Carneiro 
Referências e sugestões de leitura: